A
transfiguração continua a revelação da identidade de Jesus, iniciada no
batismo no Rio Jordão. Jesus é o Filho amado de Deus, enviado para ser
ouvido. É ele a Palavra, o Evangelho, a habitação de Deus. Nele
encontraram sentido as Escrituras representadas por Moisés e Elias. Os
três apóstolos, espectadores atônitos e medrosos diante da manifestação
de Deus, vivem depois a doçura daquela experiência, mas devem continuar,
descer para a planície, depois da antecipação da luz do Ressuscitado.
No contato com as
pessoas, Jesus se revela mais humano do que todos os homens e mulheres
que encontra, manifestando sensibilidade inigualável diante da alegria,
os sofrimentos e todas as dores dos diversos grupos de pessoas. O
resultado é que ninguém consegue ficar indiferente diante de sua
presença. O episódio da Transfiguração expressa, visto do ângulo humano,
a imensa delicadeza com os discípulos destinados anunciar o seu
mistério. Jesus leva à montanha os três, chamados a participar mais de
perto de alguns acontecimentos decisivos, para revelar-lhes sua própria
identidade. Começaram a entrar no mistério, para descer da montanha com
novas disposições.
Subamos com Jesus e seus
discípulos ao Tabor, para conhecer mais de seus segredos. Não desceremos
diminuídos em nossas aspirações ou frustrados em nossos planos de
realização humana. Se nos confrontarmos com o Senhor, nascerá em nós o
maravilhoso dilema, conduzidos pelas mãos e o exemplo de Pedro, aquele
afoito discípulo e apóstolo, para quem bastavam as três tendas, para
Jesus, Moisés e Elias. Nem pensou em si ou em seus companheiros!
Para que o mistério se
realize em nós, subamos à montanha para rezar. Isso quer dizer escolher
como programa uma imensa vida de oração. E a Quaresma, tempo
privilegiado em que nos encontramos, é ocasião propícia para crescer na
intimidade com Deus. Se rezar é um dever, este nasce de dentro do
coração, em quem se reconhece criatura amada profundamente por Deus.
Basta um olhar pessoal trocado com o Senhor, no reconhecimento da obra
prima que realizou ao nos criar e salvar, para que os joelhos da alma ou
do corpo se dobrem, as mãos se elevem no louvor e na ação de graças ou
as lágrimas de pecadores arrependidos se derramem. Quem reza se salva,
quem reza contempla, quem reza melhora de vida como pessoa humana e como
cristão.
Chegados ao Monte Tabor, a
atenção do Senhor concedeu aos discípulos a presença de duas
testemunhas, e que testemunhas! Nada menos do que a visão de Moisés e
Elias. Aquele que é Senhor da Lei submete-se a ela, como se fossem
juízes os pobres discípulos ali presentes. Não é diferente em nossa vida
cristã. Basta verificar a história da Salvação, com a quantidade de
homens e mulheres que a Escritura apresenta, pessoas que passaram por
todas as provações imagináveis. E a história da Igreja? Para recordar
apenas uma alegre notícia, há poucos dias o Papa reconheceu formalmente o
martírio de Dom Oscar Romero, que será proximamente beatificado, um
sinal precioso para a nossa geração. E sabendo ser grande a lista, somos
mais privilegiados do que os apóstolos! Olhando em torno a nós, não
serão poucas as outras testemunhas, homens e mulheres que gritam com a
vida a verdade da fé em Cristo. "Portanto, com tamanha nuvem de
testemunhas em torno de nós, deixemos de lado tudo o que nos atrapalha e
o pecado que nos envolve. Corramos com perseverança na competição que
nos é proposta, com os olhos fixos em Jesus, que vai à frente da nossa
fé e a leva à perfeição" (Hb 12, 1-2). As testemunhas, verdadeiras
companhias qualificadas, nos fazem melhores!
O Cenário está preparado.
Se somos companheiros de Jesus e de seus Apóstolos, não tenhamos medo
de entrar na nuvem, nada menos do que a presença do Espírito Santo,
muito mais efetiva do que as eventuais nuvens "eletrônicas" de nossos
dias. É necessário, para ser melhores, o aprendizado da contemplação, um
olhar apurado que não despreza os sinais deixados por Deus. Vale a pena
exercitar, a esta altura da Quaresma, este olhar contemplativo, que vai
além das aparências. Seremos melhores se formos mais serenos e atentos,
acolhendo as muitas indicações que nos são oferecidas pelo Espírito
Santo.
Agora, os discípulos de
ontem e de hoje precisam ouvir! "Pedro tomou a palavra e disse a Jesus:
'Rabi, é bom ficarmos aqui. Vamos fazer três tendas: uma para ti, outra
para Moisés e outra para Elias' Na realidade, não sabia o que devia
falar, pois eles estavam tomados de medo. Desceu, então, uma nuvem,
cobrindo-os com sua sombra. E da nuvem saiu uma voz: 'Este é o meu Filho
amado. Escutai-o!' E, de repente, olhando em volta, não viram mais
ninguém: só Jesus estava com eles" (Mc 9, 5-8). O discípulo aprende ao
conviver com o mestre e ouvi-lo! Se vale para o aprendizado das coisas
humanas, o que dizer da escola de vida divina, oferecida pelo Senhor! E
como para bom entendedor, meia palavra basta, a Palavra que sai da boca
de Deus é fonte inesgotável para o aperfeiçoamento humano.
Da Transfiguração para
cá, estando o Senhor entre nós, quando reunidos em seu nome, a mesma
experiência se repete. Os olhos se abrem, os ouvidos apuram melhor o que
escutam, a Trindade se revela. E os discípulos continuam a aventura
proposta por Jesus, acolhendo a revelação do amor de Deus, que lhes
mostra também o melhor que existe no coração humano. Descendo do Tabor
para a planície do quotidiano, são chamados a anunciar e testemunhar o
que apenas vislumbraram, mas experimentaram diretamente, quando o Senhor
ressuscitou. Não cabe voltar atrás nem fugir das responsabilidades que
lhes foram entregues, mas serão sempre missionários e missionárias,
enfrentando todos os desafios que se apresentarem.
Onde lhes for dado estar
presentes, os cristãos haverão de ser restauradores de ruínas! Onde
houver pessimismo e derrotismo, anunciarão a vitória do bem e da
verdade, pela força da Ressurreição de Cristo. Quando encontrarem
pessoas destruídas pelos próprios pecados ou os pecados dos outros,
saberão ser artistas, conduzidos pela luz do Espírito Santo, recompondo a
unidade quebrada, permitindo que Deus faça dos cacos quebrados um
bonito mosaico, obra de arte que só pode vir de seu amor infinito.
Espalharão a semente do perdão, nascida do Pai das Misericórdias,
convidando a todos para dele se aproximarem. Sua presença no mundo é
testemunha de que o dia de hoje é sempre melhor do que ontem, e o amanhã
se abre em horizonte de esperança.
Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém do Pará
Assessor Eclesiástico da RCCBRASIL
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