Há alguns anos difundiu-se uma inspirada canção do Padre Zezinho,
chamada “Vocação”. Se a seu tempo foi uma voz profética, continua a
ressoar hoje com mais força ainda, provocando decisões e escolhas de
valores: “Se ouvires a voz do vento chamando sem cessar, se ouvires a
voz do tempo mandando esperar, a decisão é tua, a decisão é tua. São
muitos os convidados, quase ninguém tem tempo. Se ouvires a voz de Deus
chamando sem cessar, se ouvires a voz do mundo querendo te enganar, a
decisão é tua, a decisão é tua. São muitos os convidados, quase ninguém
tem tempo. O trigo já se perdeu, cresceu, ninguém colheu, e o mundo
passando fome, passando fome de Deus. A decisão é tua, a decisão é tua.
São muitos os convidados, quase ninguém tem tempo!”.
Consideradas as devidas proporções, todas as diversas eras na história
da humanidade se envolveram em grandes crises. Muitos regimes caíram,
não apenas pelas circunstâncias políticas ou econômicas, mas corroídos
por dentro em suas escolhas humanas, com as quais se desgastaram, na
corrupção dos costumes. A busca desenfreada das posses e riquezas a
qualquer custo, a sede do prazer e a ânsia do poder foram e ainda são os
grandes e destruidores ídolos. Do grande e definitivo evento da
salvação operada pelo Mistério Pascal da Morte e Ressurreição de Jesus
Cristo para cá, a Igreja tem anunciado o Reino de Deus, que corresponde à
grande paixão da pregação do Senhor. Surgem, crescem, consolidam-se e
entram em decadência os muitos reinos do mundo e todos eles, sem
exceção, confrontados com os valores do Reino de Deus podem ser revistos
ou superados.
Onde está o Reino de Deus? Como se manifesta a sua força? O que muitas
pessoas chamaram de minorias abraâmicas está presente no meio do mundo.
Há muitas pessoas e grupos que acolhem de bom grado a Palavra de Deus.
Alguns, no escondimento e no anonimato, usam critérios diferentes,
plantam sementes de uma vida familiar sólida, acolhem de bom grado o dom
da vida, sem se desfazerem da prole, outros tantos mantêm as mãos
limpas e o coração puro (Cf. Sl 14), porque decidiram entrar na Casa do
Senhor. Diante da mudança de época, diante das crises e fragilidade das
instituições, cada pessoa deverá fazer suas escolhas: “Buscai, pois, o
seu Reino, e essas coisas vos serão dadas por acréscimo. Não tenhas
medo, pequeno rebanho, pois foi do agrado do vosso Pai dar a vós o
Reino. Vendei vossos bens e dai esmola. Fazei para vós bolsas que não se
estraguem, um tesouro no céu que não se acabe; ali o ladrão não chega
nem a traça corrói. Pois onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o
vosso coração” (Lc 12, 32-34).
Jesus compara o Reino a um tesouro escondido num campo (Cf. Mt 13,
44-52). Encontrá-lo é a alegria da vida de um homem. A beleza do
encontro e a alegria de ter descoberto o sentido para a existência fazem
com que a pessoa abandone tudo o que foi sustento para a sua vida em
vista do tesouro maior. Acontece, simplesmente! É presente de Deus, que
vem ao encontro da pessoa. Vender tudo o que se possui é atitude
corajosa de quem, no meio de tantas possibilidades, escolhe os valores
do Reino de Deus, reino de verdade e de vida, reino de santidade e de
graça, reino de Justiça, de amor e de paz. Ficam para trás todas as
mesquinharias que atraíram seu coração e seu olhar, invertem-se suas
prioridades, torna-se livre para olhar para frente e para o alto.
Mas o Reino de Deus é também comparado a um comerciante que procura
pérolas preciosas. Também este vende tudo para adquirir o que
corresponde à sua busca. Numa época em que o “sonho de consumo” é usado e
abusado, para que pessoas de todas as idades gastem até o que não têm
para realizá-lo, o Evangelho fala de outras riquezas. Dependendo de
quanto o discípulo de Cristo foi tocado pelo Reino de Deus, mais se
sente seguro e tomará decisões que mudarão o rumo de sua vida.
Encontrar e procurar! Duas atitudes plenamente humanas, correspondentes
à riqueza do dom de Deus, que não nos fez para a mediocridade nem para o
acomodamento. Fomos criados pelo Senhor para edificar o mundo olhando
para o alto, no modelo de vida de Deus, que é Pai e Filho e Espírito
Santo. Mirando em Deus, encontraremos também aqui na terra a plenitude
da realização e da alegria. Ninguém entende tanto de humanidade quanto o
Senhor, pois por Ele fomos criados e nem nos realizaremos, andando
inquietos enquanto nosso coração não repousar em seu regaço.
No Evangelho de São Mateus, o magnífico Sermão das Parábolas se encerra
com uma consoladora e provocante palavra, precedida da lição sobre a
rede lançada no mar da existência, enquanto durar o tempo desse mundo.
Até lá, quem se deixa instruir “nas coisas do Reino”, tirará dos
tesouros da vida o que existe de melhor, do novo e do velho, exercendo a
sabedoria que é dom do próprio Deus. Não terá medo das mudanças e nem
se abalará com todas as eventuais convulsões de seu tempo, pois terá
escolhido o que existe de melhor, para oferecer à humanidade sua
contribuição, seu inigualável tesouro.
É ao Senhor que podemos pedir tantas graças: “Ó Deus, sois o amparo dos
que em vós esperam e, sem vosso auxílio, ninguém é forte, ninguém é
santo; redobrai de amor para conosco, para que, conduzidos por vós,
usemos de tal modo os bens que passam, que possamos abraçar os que não
passam”.
Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém do Pará
Assessor Eclesiástico da RCCBRASIL
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